O conceito de “empregado” é definido no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo qual:
Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Nesse contexto, cabe esclarecer que os requisitos para a caracterização do vínculo empregatício são, concomitantemente, conforme entendimento doutrinário[1], os seguintes:
- habitualidade: significa que a prestação de serviços não é eventual, isto é, há uma prestação contínua dos serviços;
- onerosidade: consiste no pagamento realizado pelos serviços prestados;
- subordinação: trata-se da inferioridade hierárquica do prestador perante a empresa contratante, caracterizando-se quando constatado que o prestador está sob as ordens daquele a quem presta serviços;
- pessoalidade: indica que a prestação de serviços é personalíssima, ou seja, somente pode se dar por meio de determinada pessoa, sem possibilidade de substituição;
- alteridade: por este princípio, entende-se que há caracterização de vínculo quando os riscos/despesas são assumidos apenas pelo empregador/tomador de serviços, enquanto a outra parte responsabiliza-se apenas pela realização do serviço, sem assumir riscos ou custos.
Tais requisitos devem ser observados com atenção por toda empresa que tenha PJs contratados, a fim de evitar problemas de ordem trabalhista, ressaltando-se, novamente, que todos devem ser preenchidos ao mesmo tempo para que haja possibilidade de caracterização de relação de emprego a ser regida pela CLT, importando no pagamento de todas as verbas atinentes a este tipo de contratação.
Assim sendo, é de suma importância que a empresa mantenha em mente que mesmo com o contrato de prestação de serviços devidamente assinado, em havendo a deturpação do contrato, pode restar evidente a existência da chamada “pejotização”, entendida da seguinte maneira pela doutrina:
Ocorre a pejotização quando o empregador, visando intensificar seus rendimentos, obriga o empregado a constituir firma – pessoa jurídica – evitando o recolhimento das verbas trabalhistas em geral, tornando compulsoriamente o obreiro em prestador de serviços, passando a relação a ser regida pelas diretrizes contratuais tuteladas pelo Código Civil e não mais pela CLT.[2]
Neste encalço, caracterizado o fenômeno da pejotização, o reconhecimento de vínculo empregatício é perfeitamente possível, conforme jurisprudência:
PEJOTIZAÇÃO. ELEMENTOS DOS ARTS. 2º E 3º DA CLT. VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO. O fato de o trabalhador ter prestado serviço, de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada, para a reclamada, sob o véu de uma pessoa jurídica, mediante a emissão de notas fiscais em razão dos pagamentos que recebia, caracteriza a famigerada “pejotização” que objetiva fraudar a relação empregatícia por meio de artifícios meramente formais que não encontram abrigo no Direito do Trabalho, sobretudo em razão do princípio da primazia da realidade. Assim, presentes os elementos dos arts. 2º e 3º da CLT, impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes. (Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região – 7ª Turma. Acórdão: 0000488-41.2020.5.09.0013. Relator: EDUARDO MILLEO BARACAT. Data de julgamento: 07/04/2022. Publicado no DEJT em 18/04/2022.)
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. SÚMULA 126 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O e. TRT, atento à correta distribuição do ônus da prova, concluiu, com base no exame dos elementos de prova, notadamente a testemunhal e a documental, pela existência dos requisitos caracterizados da relação de emprego, conforme prescrevem os arts. 2º e 3º da CLT, razão pela qual manteve o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes. Pontuou para tanto que, além da subordinação estrutural, ” Restaram incontroversos, ainda, a onerosidade, conforme se verifica das notas fiscais emitidas pelo autor juntadas aos autos, bem como a pessoalidade e habitualidade, consoante se verifica do depoimento do preposto (fl. 1596), que afirmou que o autor comparecia às dependências da ré. E a subordinação ‘subjetiva’, elemento dístico da relação de emprego, também restou cabalmente demonstrada “. O Colegiado de origem acresceu, ainda, que ficou caracterizado, na hipótese, o fenômeno da “pejotização”, ” com o verdadeiro intuito de precarizar a relação de trabalho e se esquivar de arcar com o pagamento dos encargos trabalhistas (art. 9º da CLT)”. Nesse contexto, uma conclusão diversa desta Corte, contrariando aquela contida no v. acórdão regional, demandaria o reexame do conjunto probatório, atraindo o óbice contido na Súmula nº 126 do TST, segundo a qual é ” Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, ‘ b’, da CLT) para reexame de fatos e provas “, o que inviabiliza o exame da própria matéria de fundo veiculada no recurso de revista. A existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de fundo veiculada, como no caso, acaba por evidenciar, em última análise, a própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas modalidades, conforme precedentes invocados na decisão agravada. Nesse contexto, não tendo sido apresentados argumentos suficientes à reforma da r. decisão impugnada, deve ser desprovido o agravo. Agravo não provido, com determinação de baixa dos autos à origem. (Ag-RRAg-1001262-44.2019.5.02.0705, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 02/07/2021).
A pejotização trata-se, portanto, de um meio de fraudar a legislação, sendo a nulidade do contrato de prestação firmado entre tomadora e prestador de serviços medida que se impõe, consoante artigo 9º da CLT, que assegura que: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Essa nulidade se dá em razão da falta para com o princípio da primazia da realidade sobre a forma do contrato, evidenciada pela fraude decorrente da pejotização, conforme entendimento adotado pelos Tribunais:
VÍNCULO DE EMPREGO. “PEJOTIZAÇÃO”. PRIMAZIA DA REALIDADE. Na verificação da existência do pacto laboral aplica-se o princípio da primazia da realidade sobre a forma, do qual deflui a imposição do reconhecimento do liame desde que presentes os pressupostos elencados na legislação trabalhista. No caso presente, foi constatada a fraude na contratação da Reclamante como pessoa jurídica. Presentes todos os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º, da CLT, fica reconhecido o vínculo de emprego. Recurso conhecido e provido. (Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região – 5ª Turma. Acórdão: 0001003-31.2020.5.09.0028. Relator: ROSIRIS RODRIGUES DE ALMEIDA AMADO RIBEIRO. Data de julgamento: 15/06/2023. Publicado no DEJT em 19/06/2023).
PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. Por força do princípio da primazia da realidade, a verdade dos fatos impera sobre qualquer prova documental apresentada pelas partes. Quer dizer que, em matéria trabalhista, é mais importante o que ocorre na prática. A busca pela verdade real dos fatos está amparada no princípio da boa-fé, na dignidade da atividade humana, na desigualdade entre as partes contratantes, e na interpretação racional da vontade das partes. (TRT da 2ª Região; Processo: 1001406-65.2021.5.02.0602; Data: 07-07-2022; Órgão Julgador: 17ª Turma – Cadeira 5 – 17ª Turma; Relator(a): ALVARO ALVES NOGA).
Por estes motivos, em hipótese alguma a empresa deve equiparar o colaborador (celetista) ao prestador de serviços (PJ), zelando sempre pela autonomia da pessoa jurídica, sob pena de reconhecimento de relação trabalhista.
Ainda, considerando os apontamentos feitos sobre a caracterização de vínculo de emprego, destacamos que condutas como: fornecer crachás de identificação e e-mail coorporativo (com nome da empresa tomadora de serviços), manter registro de ponto, solicitar exclusividade ou estabelecer horários, oferecer benefícios como 13º salário e outros mais, podem, desde que comprovado o preenchimento de todos os requisitos previstos em nosso ordenamento, gerar o reconhecimento de vínculo de emprego, sendo o registro em CTPS e pagamento de todas as verbas trabalhistas e previdenciárias, bem como recolhimento de eventuais impostos, medida aplicável à empresa, sem embargo de sua responsabilização na esfera administrativa (com aplicação de sanções pelo Ministério do Trabalho e Emprego) e até mesmo criminal (art. 203 do Código Penal[3]).
Deste modo, para que a contratação de uma pessoa jurídica não venha a se enquadrar no fenômeno da pejotização, é essencial que a tomadora de serviços esteja atenta aos requisitos legais e respeite os limites da contratação celebrada, evitando a criação de um passivo trabalhista e mantendo boa relação para com os colaboradores e prestadores de serviços.
Leticia de Oliveira Negrello, OAB/PR 113.220
[1] “A existência de relação de emprego somente se verifica quando todas estas características estiverem presentes ao mesmo tempo. A ausência de um ou de alguns destes elementos caracterizadores pode implicar na existência de uma relação de trabalho, mas, jamais, de uma relação de emprego.” ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 130.
[2] SUIJKERBUIJK, Bruno Santos. O fenômeno da pejotização como forma de burlar as leis trabalhistas: a ocultação dos elementos empregatícios para simulação de contratos civis. In: Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região, Curitiba, ano VIII, n. 80, jul. 2019. P. 120.
[3] Frustração de direito assegurado por lei trabalhista
Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.