Nos últimos dias, foi assunto corrente nas redes sociais um trecho de um programa podcast em que Bruno Aiub – popularmente conhecido como “Monark” –, um dos apresentadores do Flow Podcast, defende a criação de um partido nazista em nome da liberdade de expressão.
Como era de se esperar, a fala gerou uma grande revolta no público e, além de culminar no afastamento do referido podcaster de seu programa, deu causa a uma grande discussão a respeito de inúmeras questões que foram debatidas naquela edição, muitas das quais tocam muito o mundo jurídico, razão pela qual merecem uma análise mais aprofundada, até para que se evite tratar de temas tão delicados prescindindo de uma cultura jurídica anterior.
– Do alcance da liberdade de expressão
A primeira questão que deve ser enfrentada é a extensão do princípio da liberdade de expressão, de que Monark lançou mão para defender suas ideias. Será que esse direito é absoluto e irrestrito?
De fato, a Constituição Federal é bem clara quando diz ser um direito fundamental “a manifestação do pensamento”, nos termos do inciso IV do art. 5º. Todavia, não são poucas as limitações que o próprio ordenamento jurídico brasileiro impõe a esse princípio, de modo a delimitar mais precisamente o seu alcance.
Aliás, o exemplo clássico que se dá para esse questionamento é o caso das normas contidas na Lei n. 7.716/98, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, cujo art. 20, §1º expressamente tipifica como crime a conduta de “Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
Sendo assim, é o próprio ordenamento jurídico o responsável por traçar os contornos do alcance do princípio da liberdade de expressão, afinal – é importante observar – tratar esse princípio como irrestrito seria oferecer um perigo para a própria liberdade de expressão.
Basta considerar que, se ideias nazistas tivessem livre circulação entre os brasileiros, tendo a possibilidade, portanto, de angariar adeptos à sua ideologia, isso significaria um atentado à própria liberdade daqueles que são perseguidos pelos nazistas. A liberdade de expressão se assemelharia, portanto, ao símbolo alquímico do Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda. Sua expansão seria o princípio da destruição de seus próprios fundamentos.
– Da existência de crime na fala do apresentador Monark
Muito se falou, após o caso, numa possível representação criminal do Monark por ocasião de sua fala no referido programa. Usando como fundamento para tal afirmação, estes que defendem essa tese invocam o mesmo art. 20 da Lei n. 7.716/98, que já transcrevemos acima.
Por mais que a fala do apresentador tenha sido reprovável – como o próprio reconheceu em vídeo divulgado em suas redes sociais após o ocorrido –, afirmar que sua conduta foi criminosa é, no meu entender, exagerada, se considerados os elementos descritos no tipo penal.
O referido artigo é bem claro em afirmar que a conduta típica consiste na fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de qualquer coisa que contenha a cruz suástica usada pelos adeptos da ideologia nazista. Além disso, exige uma condição subjetiva: que essa ação seja praticada com o intuito específico de divulgar a ideologia nazista.
Analisando o vídeo e todo o contexto, fica claro que em nenhum momento Monark pratica qualquer uma das condutas descritas, muito menos o fez com a intenção de divulgar essa ideologia nefasta, o que se depreende de outro momento da mesma entrevista em que ele descreve o nazismo como sendo “do demônio”.
Obviamente a fala do apresentador foi extremamente infeliz e condenável, podendo até ser objeto de ações na área cível. No entanto, uma responsabilização penal necessita de mais critérios.
– Da criminalização do partido nazista e a legalidade dos partidos comunistas
Por fim, convém dar uma palavra sobre o próprio assunto que estava sendo discutido no programa, e que deu causa a toda a polêmica. A questão debatida era uma suposta contradição da legislação brasileira em criminalizar a criação de partidos nazistas, ao passo que partidos comunistas têm ampla liberdade de atuação, embora seja essa ideologia igualmente condenável.
Evidente que a proibição de um partido nazista no Brasil é plenamente justificável. Afinal, essa ideologia constituiu uma verdadeira mácula na história da humanidade por conta das atrocidades que foram cometidas por seus adeptos na primeira metade do século XX, e dar espaço novamente a essas ideias poderia representar um perigo sério para a nossa civilização, especialmente por seu modus operandi consistir em promover perseguições a grupos que não se adequam ao seu “ideal racial”, atingindo diretamente a dignidade de judeus, negros e outras raças e etnias.
O que deveria ser questionado, no entanto, não é a criminalização dos partidos nazistas, mas a legalidade dos partidos comunistas. Isso porque a ideologia comunista também foi responsável pelo cometimento de inúmeras atrocidades ao longo do último século, chegando os historiadores à escandalosa contagem de 100 milhões de vítimas do comunismo, sem contar os ataques a outros direitos humanos. A única diferença se dá no fato de que essa ideologia não persegue um grupo específico por um ideal de raça, mas tão somente – como se isso fosse moralmente aceitável – aqueles que se opõem às suas ideias, como ocorreu nos regimes leninista e stalinista na Rússia, maoísta na China, dentre outros.
Uma pena que Monark tenha optado pela conclusão mais reprovável e estúpida.
André Fortes – Estagiário.