Uma ocorrência cada vez mais comum em nossos dias é a promoção da exclusão de perfis influentes nas redes sociais pelos próprios provedores dessas redes, como Instagram, Twitter e Facebook. O caso mais famoso é o do perfil do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que foi banido da rede Twitter no início de 2021 por decisão da própria administração da rede social.
Embora não tão impactantes, outros casos semelhantes vêm surgindo, nos quais perfis de pessoas influentes – os chamados “influenciadores” – são banidos por tempo indeterminado da plataforma por supostas violações dos termos de uso.
Sem adentrar no mérito de cada um desses casos, tampouco realizando algum juízo de valor sobre estes, fato é que o direito se interessa por essas situações, tendo em vista que o autor da conta excluída, muitas vezes, se vê extremamente prejudicado com tal decisão, tendo poucos meios a seu dispor para se defender das acusações que teriam legitimado o ato, especialmente porque, muitas vezes, os provedores não fornecem explicações muito concisas de quais termos teriam sido violados e de que modo.
Nesse sentido, convém analisar como a atual legislação – representada, principalmente, pelo Marco Civil da Internet – e a jurisprudência correspondente tem se aplicado a esses casos, até com o sentido de apresentar os meios para tutelar os direitos daqueles que se sintam prejudicados injustamente por esses atos.
Primeiramente, se faz necessário observar os dispositivos do Marco Civil da Internet que regulam a matéria. São os seguintes:
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
- 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
- 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.
- 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
- 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.
Parágrafo único. Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível, o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento à indisponibilização.
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
Pode-se observar que o art. 19, que trata especificamente da responsabilidade civil do provedor de aplicações – categoria em que se encaixam, por exemplo, Instagram, Facebook e Twitter –, resume a opção do legislador pela responsabilidade subjetiva, devendo ela ser aplicada apenas em caso muito específico: o de cumprimento de ordem judicial.
Ainda, é interessante notar que o próprio artigo traz, na sua redação, a razão por trás dessa escolha, ao fazer referência ao “intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. A preocupação do legislador foi justamente de que, caso se optasse por uma responsabilidade objetiva, mais rigorosa, as redes sociais instituiriam políticas de controle das informações nela veiculadas para evitar essa responsabilidade, o que, por óbvio, feriria a liberdade de expressão nessas plataformas.
No entanto, ainda é possível que os provedores forneçam esse controle a partir dos seus termos de uso, mas seguindo as condições estabelecidas no art. 20, que exige a comunicação dos “motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo”.
É justamente esse artigo que vem, infelizmente, sendo violado em inúmeras ocasiões pelos provedores ao promoverem exclusões. E a jurisprudência já tem se direcionado no sentido de entender que, ocorrendo a exclusão sem que sejam fornecidas essas informações, é cabível não somente indenização, mas também o imediato restabelecimento do perfil. Vejamos os seguintes julgados:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – PERFIL EM REDE SOCIAL – INSTAGRAM – Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais – Agravo de Instrumento contra decisão que indeferiu pedido de tutela de urgência, relacionada ao restabelecimento de perfil na conta do “Instagram” – Rede social que promove a exclusão do perfil sem justificativa – Ausência de prévia possibilidade de defesa da parte, baseada unicamente em suposta violação aos Termos de Uso – Descabimento – Necessidade de reativação da conta – Tutela de urgência deferida – Decisão reformada – Recurso provido – Agravo interno prejudicado. (TJ-SP – AGT: 22564022520198260000 SP 2256402-25.2019.8.26.0000, Relator: Maria Salete Corrêa Dias, Data de Julgamento: 25/07/2017, 31a Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2020)
REATIVAÇÃO IMEDIATA DE CONTA NO INSTAGRAM, DE CUNHO COMERCIAL – PROCEDÊNCIA QUE SE MANTEM À FALTA DE PROVAS DO PRÉVIO AVISO DE REINCIDÊNCIA NA PRÁTICA DE INFRAÇÃO – APENAS COMUNICADA UMA EXCLUSÃO DE CONTEÚDO POR INFRACIONAL ÀS REGRAS DA PLATAFORMA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP – RI: 10241781920208260576 SP 1024178-19.2020.8.26.0576, Relator: Andressa Maria Tavares Marchiori, Data de Julgamento: 31/05/2021, 3a Turma Cível, Data de Publicação: 31/05/2021)
Assim, torna-se claro que não há espaço, em nosso ordenamento, para a promoção de um controle centralizado e autoritário de conteúdos dentro de qualquer plataforma de rede social, devendo os provedores respeitarem a liberdade de expressão ao não realizarem censuras prévias, permitindo-se a exclusão apenas em casos específicos e bem fundamentados, cabendo indenização em caso de descumprimento.
André Fortes.