LEI Nº 14.151, DE 12 DE MAIO DE 2021 e Projeto de Lei 2.058/2021
Em tempos de calamidade pública, risco integral à saúde e vulnerabilidade generalizada de toda a população mundial, é imprescindível o debate e reflexão a respeito de grupos já delicados, e nesse contexto se fragilizam ainda mais, como é o caso das gestantes.
O início da pandemia foi marcado pelo projeto de Lei nº 3.932/2020 o qual foi transformado em Lei Ordinária sob o número 14.151/2021 e dispõe sobre o afastamento da empregada gestante de suas atividades laborativas presenciais durante a emergência de saúde pública (vigência do Decreto Legislativo nº 6/2020) de importância nacional decorrente do novo SARS-COV-2, agente etiológico da Covid-19.
Todavia, apesar da proatividade legislativa, a fim de resguardar os direitos das mulheres gestantes, que foram classificadas como grupo de risco pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Lei apresentou uma lacuna, no que se refere às empresas e o pagamento de salários durante o afastamento obrigatório apresentado pela referida Lei.
Com ao advento da Lei 14.151/2021, sancionada pelo Presidente da República em 12 de maio do mesmo ano, às empresas foram obrigadas a distanciar suas empregadas gestantes do âmbito do trabalho presencial, sem prejuízo da manutenção de emprego e do pagamento de salários. Fato que evidentemente gerou um descompasso aos estabelecimentos empregadores, pois com o afastamento, há necessidade de contratação de nova mão de obra e, consequentemente, mais despesas.
Ainda, o dispositivo legal foi omisso em relação ao afastamento das empregadas gestantes que não puderem realizar suas atividades a distância; e sobre o responsável pelo pagamento da remuneração das empregadas gestantes. O que se almeja é a conversão de tais contraprestações em salário-maternidade, pois este é devido no período da licença-maternidade e é caracterizado como contribuição previdenciária, sendo de responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o pagamento, ou a dedução dos valores despendidos pelas empresas nos termos do artigo 72, §1º, da Lei nº 8.213/91, artigo 94 do Decreto nº 3.048/99 e artigo 86 da Instrução Normativa RFB nº 971/09.
Pedido esse que já foi concedido favoravelmente, em decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região.
Em que pese os resultados positivos, novo Projeto de Lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em 16 de fevereiro de 2022, prevendo o retorno do trabalho das gestantes após a imunização:
PL2058/21- Ementa:
“Altera a Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, para disciplinar o afastamento da empregada gestante, inclusive a doméstica, não imunizada contra o coronavírus SARS-Cov-2 das atividades de trabalho presencial quando a atividade laboral por ela exercida for incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, nos termos em que especifica.”
O Projeto, a princípio, vem complementar a Lei 14.151/2021 em uma das lacunas, aquela referente às funções que não são passíveis de realização a distância, por teletrabalho. Afirmando que só haveria o afastamento após a total imunização, situação em que atualmente não há previsão.
Outrossim, há a hipótese do empregador em manter a gestante afastada, sendo necessário o retorno ao presencial nas hipóteses de encerramento do estado de emergência; recusa de vacinação sob termo de responsabilidade ou se ocorrer aborto espontâneo com recebimento da salário-maternidade nas duas semanas de afastamento garantidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O projeto já passou por revisão e emenda do Senado Federal, a qual foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, sendo esta arquivado e seguindo o projeto sem alterações à sanção Presidencial. Foi sancionado pelo Presidente e publicado no Diário Oficial da União em 10/03/2022 (quinta- feira).
De acordo com o texto sancionado, o que soma à Lei nº 14.151/21 é a regulamentação da situação de impossibilidade de determinadas atividades serem realizadas a distância, pois nesse caso, se o labor não puder ser exercido por meio de teletrabalho ou outra forma de trabalho remoto, mesmo com a alteração de suas funções e respeitadas suas competências e condições pessoais,
O cenário das gestantes será considerado como gravidez de risco até completarem a imunização, quando deverão retornar ao trabalho presencial. A gestante, durante esse período receberá salário-maternidade desde o início do afastamento até 120 dias após o parto, o que se estende se a empresa fizer parte do programa Empresa Cidadã, passa a ser 180 dias.
O Presidente vetou parcialmente o Projeto aprovado no Congresso Nacional, por exemplo, além do trecho acima referido, o art. 2º, inciso IV, que previa o retorno da atividade presencial no caso de interrupção da gestação. Pelo argumento de contrariedade ao interesse público. Entendendo ainda que a opção da gestante por não se vacinar é uma “expressão do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual”.[1]
“Ouvido, o Ministério da Economia manifestou-se pelo veto aos seguintes dispositivos do Projeto de Lei: Art. 2º do Projeto de Lei, na parte em que acresce o inciso IV do § 3º, o § 4º e o § 5º ao art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, e art. 3º do Projeto de Lei: “IV – com a interrupção da gestação, observado o disposto no art. 395 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, com o recebimento do salário-maternidade no período previsto no referido artigo.” “§ 4º Na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, a empregada gestante de que trata o caput deste artigo terá sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberá, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde o início do afastamento até 120 (cento e vinte) dias após o parto ou por período maior, nos casos de prorrogação na forma do inciso I do caput do art. 1º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008.” “§ 5º A empregada gestante de que trata o § 4º deverá retornar ao trabalho presencial nas hipóteses previstas no § 3º deste artigo, o que fará cessar o recebimento da extensão do salário-maternidade.” “Art. 3º O pagamento da extensão do salário-maternidade na forma prevista no § 4º do art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, não produzirá efeitos retroativos à data de publicação desta Lei.” Razões dos vetos A proposição legislativa estabelece que, na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, de trabalho remoto ou de outra forma de trabalho a distância, a empregada gestante teria sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberia, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde o início do afastamento até cento e vinte dias após o parto, ou por período maior, nos casos de prorrogação na forma do inciso I do caput do art. 1º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008. A proposição estabelece, ainda, que o pagamento da extensão do salário-maternidade não produziria efeitos retroativos à data de publicação da Lei. Prevê, ademais, que a empregada gestante deveria retornar ao trabalho presencial, atendidas algumas hipóteses previstas na proposição, cessando-se o recebimento da extensão do salário-maternidade. A proposição também determina que, salvo se o empregador optasse por manter o exercício das suas atividades nos termos do § 1º do art. 1º da Lei nº 14.151, de 2021, a empregada gestante deveria retornar à atividade presencial na hipótese de interrupção da gestação, observado o disposto no art. 395 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o recebimento do salário-maternidade no período previsto no referido artigo.
Entretanto, em que pese meritória, a proposição contraria o interesse público, haja vista que institui concessão de benefício previdenciário destinado à situação de maternidade, porém, com feição diversa da existente para o auxílio-maternidade, já instituído na Lei nº 8.213, de 1991, uma vez que é temporalmente mais abrangente e de definição casuística. Ademais, ao se dilatar o prazo de fruição do benefício, restaria apresentado alto potencial de alteração de despesa obrigatória relacionada à concessão de benefícios previdenciários, o que violaria o disposto no § 5º do art. 195 da Constituição da República e colocaria sob risco material a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social. Outrossim, representa risco potencial de afronta ao inciso III do caput do art. 167 da Constituição, caso haja necessidade de contratação de operação de crédito para sua operacionalização, bem como viola o disposto no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, além de ir de encontro ao regramento da disciplina fiscal previsto nos art. 15, art. 16 e art. 24 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, e nos art. 124 e art. 125 da Lei nº 14.194, de 20 de agosto de 2021 – Lei de Diretrizes Orçamentárias 2022”
Ou seja, nova lei estabelece as hipóteses em que o retorno ao regime presencial é possível para mulheres gestantes:
- encerramento do estado de emergência;
- gestantes com a imunização completa contra o covid-19; ou
- retorno ao trabalho presencial da gestante não vacinada, por opção própria, mediante assinatura de termo de responsabilidade e livre manifestação da
O afastamento do trabalho presencial só continua mantido para a gestante que ainda não tenha completado o ciclo vacinal.
O projeto então foi transformado em lei, sendo essa a Lei nº 14.311 de 09/03/2022, mas seguem para deliberação os vetos presidências.
Para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido (art. 66, § 4º, CF e art. 43 do RCCN).
Com mais clareza, os dispositivos que seguirão para deliberação sobre o veto são:
1- 15.22.001 – inciso IV do § 3º do art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, com a redação dada pelo art. 2º do projeto: “com a interrupção da gestação, observado o disposto no art. 395 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, com o recebimento do salário- maternidade no período previsto no referido artigo.”
2- 15.22.002 – § 4º do art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, com a redação dada pelo art. 2º do projeto: “Na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, a empregada gestante de que trata o caput deste artigo terá sua situação considerada como gravidez de risco até completar a imunização e receberá, em substituição à sua remuneração, o salário- maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde o início do afastamento até 120 (cento e vinte) dias após o parto ou por período maior, nos casos de prorrogação na forma do inciso I do “caput” do art. 1º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008’
3- 15.22.003 – § 5º do art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, com a redação dada pelo art. 2º do projeto: “A empregada gestante de que trata o § 4º deverá retornar ao trabalho presencial nas hipóteses previstas no § 3º deste artigo, o que fará cessar o recebimento da extensão do salário-maternidade.”
4- 15.22.004 – Art. 3º “O pagamento da extensão do salário-maternidade na forma prevista no § 4º do art. 1º da Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, não produzirá efeitos retroativos à data de publicação desta Lei.”
Dessa forma, muitas empresas tem entrado com ações para converter o salário pago durante o afastamento das funcionárias gestantes em salário-maternidade, a fim de que seja caracterizado como benefício previdênciário e por consequência seja engargo do Estado compensar (deduzir) o valor dos salários maternidade quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, nos termos do artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91, artigo 94 do Decreto nº 3.048/99 e artigo 86 da Instrução Normativa RFB nº 971/09. Pleito que não será afetado pela nova determinação do retorno das gestantes ao trabalho presencial nos moldes relatados acima e inclusive já foi deferido em ações postulatórias nesse escritório.
Victória Gomes Gonçalves Carvalho, Estagiária
[1] https://www.conjur.com.br/dl/vetos-lei-gestantes.pdf