Neste artigo faremos uma análise jurídica acerca da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF), ajuizada pelo Psol em 2017.
Essa ação, que tramita diretamente no STF, possui como fundamento o fato de não haver proteção constitucional ao nascituro, o que acarretaria na inconstitucionalidade dos arts. 124 e 126 do Código Penal.
Invoca, ainda, a suposta violação aos direitos fundamentais da mulher, previstos na Constitucional Federal.
Alega, ainda, que referidos preceptivos não conseguiriam atingir o objetivo de evitar o aborto, bem como que a criminalização do aborto se mostraria desproporcional.
No entanto, há que se discordar de tais fundamentos, mostrando que todo o ordenamento jurídico está constituído para a proteção do nascituro, sendo que tal proteção encontra respaldo constitucional.
Vejamos.
Inicialmente, há que se demonstrar que cai por terra a tese apresentada na inicial, no sentido de que o nascituro não possui proteção constitucional.
Vejamos o que determina o art. 10, II, “b” da ADCT:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
- b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Devemos perceber que a priorização da garantia da dignidade da pessoa humana, artigo 1, III da Constituição Federal, pelos Tribunais do Trabalho refletiu diretamente ao longo dos anos nas alterações da súmula 244, a qual em 2012 recebeu a seguinte redação:
GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT ex-OJ nº 88 da SBDI-1 – DJ 16.04.2004 e republicada DJ 04.05.04)
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
A SDC – Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento de que a estabilidade para gestante é direito indisponível não comportando transação para reduzi-lo, sendo nula qualquer cláusula de convenção ou acordo coletivo que estabeleça requisitos para obtenção da estabilidade, nesse sentido é a Orientação Jurisprudencial nº 30 da SDC do C. TST:
“Nos termos do art. 10, II, “a” do ADCT a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do artigo 9º da CLT, torna-se nula de pleno direito a cláusula que estabelece a possibilidade de renúncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do emprego e salário”.
O direito à estabilidade é indisponível exatamente pelo fato de proteger o nascituro.
O que se protege no art. 10, II, “b” da ADCT é a vida do nascituro.
Vejamos o voto do Ministro Celso de Mello, nos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento n. 448.572, em julgamento ocorrido em 30 de novembro de 2010:
“O legislador constituinte, consciente das responsabilidades assumidas pelo Estado brasileiro no plano internacional (Convenção OIT n. 103/1952, artigo VI) e tendo presente a necessidade de dispensar EFETIVA PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO, estabeleceu, em favor da empregada gestante, EXPRESSIVA GARANTIA DE CARÁTER SOCIAL, consistente na outorga, a essa trabalhadora, de estabilidade provisória. O valor jurídico-social dessa inderrogável garantia de índole constitucional, que busca dar efetividade à proclamação constante no art. 6, da Lei Fundamental da República, teve a sua importância reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já deixou assentado, a propósito desse tema, que o acesso à estabilidade provisória depende da confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez da empregada”.
O Ministro Celso de Mello apresentou o mesmo voto no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 634.093, corroborando a tese ora apresentada no sentido de que a vida do nascituro possui proteção constitucional.
Por sua vez, o art. 6, da Constituição Federal determina:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, A PROTEÇÃO À MATERNIDADE e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
O que significa a proteção à maternidade senão a proteção ao nascituro?
Determina o art. 6º, Parte III, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas e Promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592 de 06/07/1992, que “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.
Ora, asseverar que o direito à vida do nascituro não possui previsão constitucional é desconhecer nossa Lei Maior.
Partindo dessa premissa, tal argumento já basta para que a ADPF seja julgada totalmente improcedente, tendo em vista a inequívoca proteção constitucional ao nascituro.
Advindos desse direito fundamental, o ser humano tem, desde a concepção, a proteção de sua vida com a criminalização do aborto praticado tanto pela gestante quanto por terceiros, disposto nos artigos 124 a 126 do Código Penal.
A fim de que não restasse dúvida quanto à proteção da vida do nascituro, o crime de aborto foi tipificado dentro dos arrolados no Título “Dos Crimes contra a Pessoa”, no Código Penal. Tal salvaguarda confirma, de forma indiscutível, que o beneficiário dessa norma é titular de direitos, sendo-lhe, portanto, necessário o mesmo amparo conferido aos demais seres humanos. Não conceder a ele tal proteção, restaria configurado uma afronta à sua integridade física, garantia esta consagrada constitucionalmente.
A ADPF indica que “o pertencimento à espécie confere um estatuto moral e jurídico diferenciado às criaturas humanas quando comparado às outras criaturas biológicas. Reconhecer valor intrínseco no pertencimento à espécie humana não é o mesmo que designar todas as criaturas humanas como pessoas constitucionais e, consequentemente, a elas conferir direitos e proteções fundamentais”.
Tal assertiva demonstra a afronta ao princípio constitucional da isonomia, tendo em vista que há a absoluta necessidade de se reconhecer o direito do nascituro à vida, direito esse protegido constitucionalmente. De acordo com o entendimento do PSOL, os princípios constitucionais devem ser observados em favor das mulheres, mas totalmente suprimidos ao nascituro.
A ADPF traz a informação de que “o teste da necessidade exige que a lei violadora de direitos constitucionais seja necessária para alcançar objetivos constitucionais legitimados, ou seja, que não existam outros meios menos intrusivos de igualmente alcançar os resultados”.
É exatamente o que ocorre com os arts. 124 e 126 do Código Penal, tendo em vista que não há outras formas de se proteger a vida do nascituro, senão a criminalização do ato que vem a ceifar a vida dessa pessoa que já vive no útero da mulher.
Ao contrário do que assevera a ADPF, o instrumento penal é e medida adequada e proporcional para a proteção do direito constitucional à vida do nascituro, sem o qual restaria violado o direito à vida consagrado em nível constitucional.
O fato do Estado falhar no oferecimento de políticas adequadas em saúde que poderiam garantir às mulheres condições para evitar um aborto não pode servir de base para o deferimento do pedido formulado nessa ação. A deficiência do Estado não pode acarretar na morte do nascituro.
O direito à vida deve estar sempre protegido pelo ordenamento jurídico. Do contrário, não faria sentido o ser humano possuir outros direitos.
Portanto, diante de tudo o que fora exposto no presente artigo, bem como diante da inequívoca proteção constitucional à vida do nascituro, não há alternativa senão julgar a ADPF totalmente improcedente, tendo em vista que os arts. 124 e 126 do Código Penal servem para proteger o direito constitucional do nascituro à vida.
Alexandre Sutkus de Oliveira – OAB/PR 33.264